Notas do Autor - Capítulo 33
Capítulo 33
Objetivos e resoluções
A entrada da cidade de Verdanturf
já podia ser vista no fim da estrada de terra que atravessava a Rota 117. O
tempo estava aberto, mas com o sol ameno de modo que os viajantes não
precisavam se preocupar com o calor naquele dia. Uma leve brisa vinda dos
pequenos lagos que margeavam a trilha ajudava a manter o clima bem tranquilo
por ali.
O grupo estava em uma pequena
pausa, a última antes de adentrar a cidade destino. Sapphire tentava treinar seu
novo companheiro Psyduck, com Zinnia tentando dar algumas instruções, mas o
pato era um completo avoado, deixando a garota de certo modo frustrada com a
aparente perda de tempo enquanto a draconid tentava acalmá-la.
Ruby, por sua vez, estava um pouco
mais afastado das duas companheiras de jornada. Jeff estava sentado ao seu
lado, ainda emburrado pela batalha que havia tido no dia anterior, da qual só
não saiu derrotado por conta da intervenção daquela garota chamada Lydia.
O garoto se sentia desconfortável.
Não sabia qual seria a reação de seu parceiro caso tentasse puxar conversa. Mas
se lembrou do sermão de Zinnia sobre como ele, como treinador, deveria tomar a
iniciativa e procurar melhorar a relação dele com o Treecko. Sabia que não
podia deixar aquela decisão se estender por muito tempo, porque precisava
contar com ele para continuar a busca pelas fitas.
— É... Eu sei que perder é chato — “comecei
mal”, pensou o coordenador. — Mas a Sapphire e o Dante são bem mais experientes
que nós. Eles estão treinando há mais tempo. O que tivemos ali foi uma
experiência.
Jeff não tinha muita vontade de
olhar pra Ruby naquele momento, mas apesar de ter se virado de costas
continuava ouvindo.
— Nós estamos começando. Vamos
melhorar com o tempo, só precisamos continuar trabalhando juntos — o garoto
logo sorriu. — Eu sei que você tem uma rivalidade com o Dante, então perder pra
ele deve ser bem pior do que perder qualquer outra batalha. Eu não sei se tenho
alguém a quem eu posso chamar de rival. O Wally é um adversário, mas é meu
amigo há tanto tempo que eu não sei se conseguiria sustentar uma relação de
competitividade com ele. Talvez a Emily... É, eu acho que odiaria perder pra
ela de novo, só de pensar naquele sorriso cínico na cara dela eu já fico
angustiado. Então eu te entendo bem, pelo menos nesse ponto nós somos bem
parecidos.
Aos poucos o pequeno lagarto foi
cedendo, até que finalmente se virou de frente para Ruby e começou a prestar
atenção no que ele dizia. O garoto abriu mais um sorriso, dessa vez de
satisfação.
— Você é o às da equipe. Eu preciso
te deixar em forma pra poder vencer as apresentações focadas em batalhas. Não
vou te deixar na mão. Eu conheço muito sobre teoria de treinos, mas na prática
também estou aprendendo. Mas se trabalharmos lado a lado a gente vai encontrar
um jeito de evoluir juntos. Eu não vou deixar você ficar pra trás com relação
ao Dante. Da próxima vez que nós enfrentarmos ele e a Sapphire a gente não vai
perder de jeito nenhum!
O garoto esticou o braço, apontando
um punho cerrado pro seu Treecko. Jeff sequer hesitou ao responder o
cumprimento, tocando o seu punho com o de Ruby. Ainda que tentasse bancar o
durão, não tinha como não acreditar nas palavras de seu treinador pela forma
como ele falava. Ruby podia ser inexperiente, mas falava muito bem e sabia como
passar confiança quando necessário. Zinnia, mesmo focada no treinamento de
Sapphire, observava os dois de longe e sorriu com satisfação ao ver que as
coisas estavam melhorando.
— Os meninos estão começando a se
dar bem — comentou a draconid. — Bora botar a cabeça desse pequeno aí pra
funcionar?
— Falar é fácil, mas pra conseguir
isso primeiro eu tenho que descobrir em qual universo ele tá vagando —
respondeu Sapphire dando um suspiro na sequência.
O Psyduck inclinou a cabeça,
parecendo nem entender que as duas falavam dele.
— Éeeeeh não tem jeito — disse a
draconid. — Parece que vamos ter que respeitar o tempo dele.
— Eu queria poder usar o Psyduck no
ginásio de Lavaridge. Lá usam Pokémons de fogo, ele seria perfeito, já que não
vou poder usar a Shroomish. Zinnia, vamos fazer um treino? Pra eu tentar
colocar o Psyduck pra funcionar.
— Sapphire, você tem treinado
exaustivamente desde que saímos de Mauville. Seus Pokémons pelo menos estão
conseguindo descansar por causa do revezamento, mas você está se levando ao
limite. Tenta relaxar um pouco agora que estamos na entrada de Verdanturf. Uns
dois dias pra recuperar a energia não vão te fazer mal.
— Mas eu sinto que preciso melhorar
muito ainda! Os ginásios estão ficando cada vez mais difíceis, e eu não cheguei
nem na metade deles!
— E se você continuar assim nem vai
chegar. A exaustão vai te causar prejuízos no desempenho, no raciocínio e na
saúde. E outra coisa, você vai ficar bem. Essa sua insegurança te impede de
pensar direito. Você é mais forte do que imagina.
A menina suspirou fundo. Ela sabia
que o que Zinnia falava era verdade. Sapphire por pouco nem se reconhecia, já
que a garota nunca foi de se levar tão ao extremo. Ela nunca havia tocado no
assunto com seus amigos, mas quando estiveram na Creche Pokémon de Lydia e
Isaac a menina viu seu reflexo no espelho e reparou que estava começando a
ficar com olheiras. Talvez fosse mesmo o momento de dar uma pausa.
Ruby havia terminado de conversar
com Jeff. O garoto retornou toda a sua equipe para as Pokéballs e se dirigiu
para as amigas.
— Foi uma boa conversa. Acho que
estamos progredindo — o menino tinha um sorriso satisfeito. — O Treecko é bem
forte, então se eu conseguir trazê-lo pro meu lado eu tenho certeza que as
coisas vão começar a dar muito certo.
— Isso é ótimo, Ruby — Zinnia abriu
um sorriso. — Mas assim como eu disse pra Sapphire, vou dizer pra você também.
Tente não se forçar muito, dê um tempo pro seu Treecko. Quando as coisas são
feitas com calma há menos espaço pra erros. Tenho certeza que vocês vão se
entender.
— Obrigado, Zinnia — disse o
garoto. — Sendo bem sincero, eu estava um pouco desconfiado quando você se
juntou a nós, mas agora estou gostando bastante de ter você aqui.
— Vocês têm algo que me intrigam, e
eu quero descobrir o que é — disse a mais velha. — Mas acho que o mais
importante é ter com quem compartilhar boas memórias. Posso ser mais velha do
que vocês, mas é a primeira vez que estou viajando por Hoenn também. Meu povo é
bem fechado pro mundo externo, então eu nunca tive muita liberdade, sabe? Mas
agora estou podendo ver tudo que existe nessas terras que meus antepassados
defenderam arriscando suas vidas, e eu estou entendendo o motivo. É um lugar
maravilhoso. Fico me perguntando se existem outros lugares, outras Hoenns lá
fora.
— Você só vai saber indo até lá — Sapphire provocou. — Aproveite essa sua nova liberdade pra ver o mundo. Mas só depois que finalizarmos a nossa jornada juntos. Até lá queremos você com a gente. Mas vou te dar uma dica. Não existem outras Hoenns pelo mundo. Mas existem lugares tão únicos quanto. E essa é a parte interessante.
— É, foi mais nesse sentido que eu quis dizer mesmo — a draconid respirou fundo. — Bom, se ainda temos que explorar Hoenn, acho que podemos começar andando mais alguns metros. Eu nunca estive em Verdanturf, então vamos riscar esse lugar da minha lista de destinos que ainda preciso ir!
• • •
Depois de uma breve estadia em
Fallarbor, Miriam atravessou as cavernas de Meteor Falls sem muita dificuldade
e retornou a Rustboro. Depois de passar por algumas ruas a garota estava na
entrada do prédio do Departamento de Polícia da cidade, que era a sede de toda
a corporação em Hoenn. A treinadora engoliu seco, era a primeira vez que
entraria em alguma instalação das autoridades de segurança desde que entregara
o cargo de estagiária.
Ela passou pela porta automática,
sendo surpreendida pela mudança súbita de temperatura provocada pelo
ar-condicionado, contrastando com o calor que fazia do lado de fora. Caminhou
até a recepção, onde foi atendida por um oficial do posto.
— Miriam Ashton — disse a menina. —
Tenho uma reunião com a senhorita Anabel.
— Certo, deixa eu consultar a
agenda dela... — o policial começou a vasculhar alguns documentos no computador
da recepção, até que encontrou a informação que precisava. — Ok, Miriam. Pode
esperar no corredor do andar de cima. A sala dela é a porta ao final do
corredor. Creio que ela esteja terminando uma reunião agora, mas ela está sim à
sua espera. Assim que possível ela vai te atender.
A menina fez um aceno com a cabeça
em agradecimento e seguiu o caminho indicado pelo rapaz. Ao chegar ao local de
espera a primeira coisa que procurou foi um lugar para se sentar, e encontrou
um belo sofá creme entre dois vasos de planta.
Miriam jogou sua mochila em cima do
sofá e se sentou logo ao lado. Enquanto aguardava ser chamada seus olhos
passeavam pela sala. No teto apenas uma fileira de lâmpadas fluorescentes dando
um brilho ainda mais forte ao já branco chão de porcelanato. Na área onde
estava, além do sofá e das plantas, um filtro de água com alguns copos
descartáveis e um pequeno aquário com alguns Luvdiscs pacificando o ambiente.
— Credo, isso aqui tá parecendo um
corredor de hospital... — a garota
murmurou agoniada com a limpeza exagerada do lugar.
Não demorou muito até que a porta
da sala de Anabel se abrisse. De lá de dentro saiu um homem de meia-idade,
alto, com cabelo curto e grisalho e olheiras profundas como as de quem já vinha
trabalhando há dias sem descanso. Seu sobretudo marrom esvoaçava de forma quase
heroica na medida em que ele avançava com rapidez pelo corredor. Ao passar por
Miriam, só teve tempo de dar um breve cumprimento.
— Boa tarde.
— Boa tarde... — a menina
respondeu, sem entender bem quem era aquela pessoa.
— Miriam? — a voz de Anabel vinha
da porta da sala. — Pode entrar!
Miriam respirou fundo, pegou suas
coisas e seguiu pelo corredor. Anabel a esperava na porta, mas sua feição séria
dessa vez dava lugar a um sorriso sereno. Seria porque elas não trabalhavam
mais juntas? Miriam lembrava de alguém ter dito a ela certa vez que o fim da
convivência rotineira quase sempre melhorava a relação entre duas pessoas, até
mesmo da própria família.
Anabel saiu do meio da porta, dando
passagem para a menina. Estendeu o braço na direção das cadeiras de frente para
sua escrivaninha, sinalizando para que Miriam escolhesse uma para se sentar.
Assim que a garota o fez, a mulher fechou a porta e girou a chave.
— Café? Chá? Água, biscoitos... Ali
na mesa perto da estante, pode se servir à vontade. Você sabe que já é de casa
— dizia a mulher enquanto dava a volta na escrivaninha para se sentar na sua
cadeira.
Miriam meneou negativamente com a
cabeça. Ainda estava um pouco nervosa para falar alguma coisa. Percebendo isso,
Anabel deu um leve riso e, pondo as mãos entrelaçadas em cima da mesa, tentou
quebrar o gelo.
— Como vai a vida? Ouvi dizer que
você derrotou a Greta. Com isso já são dois Símbolos da Fronteira. Não esperava
menos de uma garota talentosa como você.
— Obrigada. Pra falar a verdade eu
não venci a Greta, mas ela achou que eu devia ficar com o símbolo.
— Se ela te julgou merecedora do
símbolo, então você venceu o desafio. Existe muito mais numa batalha do que os
resultados frios. Muitas vezes eles não dizem aquilo que precisamos saber. A
Greta é excelente em analisar jovens talentos, então sinta-se honrada que ela
viu esse potencial você, Miriam. Falando nisso... — Anabel deu uma risadinha
enquanto coçava de leve a maçã do rosto com seu indicador. — Vocês duas até que
têm personalidades parecidas.
— Pelo amor de Arceus, nem brinca
com isso! Aquela garota é doidinha de pedra! — respondeu a menina, pela
primeira vez se sentindo mais à vontade naquela sala.
Anabel riu com o comentário da
menina, porque sabia que caso os papéis fossem invertidos Greta faria o exato
mesmo comentário.
— Sapphire e Ruby não estão mais
viajando com você, não é? Eu os vi em Mauville quando teve aquele problema na
usina, e você não estava junto.
— Não, nós acabamos nos separando
logo depois daquela vez que nos vimos. Apesar deles terem me defendido lá no
museu, depois a situação realmente ficou estranha. Eu não tenho como culpar os
dois, eu provavelmente me sentiria do mesmo jeito.
— Você gostava deles, não é mesmo?
— Ainda gosto. Queria poder estar
com eles ainda, mas sei que eles provavelmente não vão querer conversa comigo.
— Eu sinto muito pelo que aconteceu
lá em Slateport. Mas era a coisa certa a se fazer. Mesmo você se desligando da
Polícia, seu nome ainda vai ficar ligado a ela e a mim por algum tempo. Isso os
colocaria em risco caso você se torne um alvo.
— Eu entendo perfeitamente,
senhorita Anabel. Foi melhor assim. Estar viajando sozinha nesses últimos
tempos me deu a oportunidade de refletir mais sobre tudo que aconteceu até
aqui. Depois que eu repensei o que passamos no caminho para Dewford cheguei à
conclusão de que eles são minha responsabilidade. Se eles se machucarem ou até
mesmo morrerem em um ataque da Team Aqua ou Team Magma, a culpa vai ser minha.
Anabel deu um longo suspiro. Para
ela não era uma situação confortável saber que tinha que privar Miriam de viver
como ela gostaria, mas a menina sabia desse risco quando tomou a decisão de
aceitar o estágio.
— Por mim vocês estariam juntos
ainda. Bem, eu torço para que vocês se resolvam em breve, porque quando a gente
der um fim nos Aquas e nos Magmas, e a gente vai dar um fim neles, eu
quero que vocês voltem a viajar em grupo e viver suas histórias juntos.
Miriam sorriu. Por um momento ela
quase se arrependeu de pedir dispensa. Anabel podia ser rígida e exigente com
relação ao trabalho, mas sempre apoiou a mais nova a seguir o caminho que
desejava.
— Bom — disse a mulher já trocando
o assunto. — Voltando a falar da Batalha da Fronteira, por que você ainda não
me desafiou? Você tem o meu contato, sabe onde me encontrar, sabe que é só me
pedir que eu arrumo um espaço na minha agenda para batalharmos.
— Ah, isso é porque eu quero que
você seja a última que vou enfrentar.
— O chefe dos Cérebros da Fronteira
é o Brandon, não eu. O natural é que você o enfrente por último.
— Mas você me ensinou bastante, por
isso quero que você seja a última para que você me veja usar tudo que aprendi
com você na minha força máxima.
— Eu não te ensinei nada sobre
batalhas.
— Mas eu não estou falando de
batalhas.
Anabel foi pega de surpresa com o
comentário de Miriam. Não era muito do perfil da menina fazer tantos elogios.
Pelo menos não com tanta sinceridade. Ela estava mais pro tipo que faria um
comentário positivo velado por trás de alguma piada ou algo do tipo.
— Tudo bem então, se é assim eu vou
esperar pacientemente — disse a mulher. — E já que é pra vir com força máxima,
vou sugerir que você faça uma coisa. É um desafio novo que eu vou te passar,
que vai dar bastante trabalho, mas que se você combinar com a sua disputa na
Batalha da Fronteira vai te tornar uma treinadora extremamente forte. Considere
isso como a última tarefa que estou te passando antes de dar baixa nos seus
documentos.
— E o que seria essa tarefa?
• • •
Mais tarde naquele dia, Miriam
estava em uma praça da cidade com sua equipe. Era um tempo livre que ela estava
dando aos seus Pokémons depois de um trabalho tão duro. Enquanto Venomoth e
Mudkip interagiam com o recém-chegado Zangoose, a Nidoqueen se mantinha próxima
de sua treinadora.
— Achei que a Anabel ia me odiar
depois que pedi dispensa, mas ela me deu apoio — a menina sentia que havia
tirado um peso enorme de seus ombros. — Eu fiquei feliz, de verdade.
A Nidoqueen, que apenas ouvia a
garota, acenou alegre com a cabeça.
— Ela nos deu uma tarefa bem
ingrata pra usarmos como treinamento, sabia? Vai ser bem cansativo, mas acho
que é o mínimo que podemos fazer depois do apoio que ela nos deu. Eu pensei
muito no assunto, e decidi que quero fazer isso. Até pra enfrentar a Anabel no
nível mais alto que eu puder. Eu quero dar a ela uma batalha que a faça sentir
orgulho. Posso contar com você nessa missão?
A chefe da equipe de Miriam sorriu
para sua mestra, batendo os dois punhos um contra o outro como quem dizia estar
preparada para o que viesse. Após explicar o mesmo para o restante do time, a
garota sentiu a mesma confiança vindo dos demais membros. Até mesmo o Zangoose
rabugento se animou. Afinal, quanto mais oportunidades para sair brigando por
aí, melhor para ele.
E assim a menina correu pelas ruas
até o destino apontado pela Cérebro da Fronteira. Um lugar que ela já sabia
onde ficava, um prédio conhecido. Ao entrar, perguntou na recepção pela pessoa
encarregada do local e foi orientada por quais corredores devia seguir. Foi
então que chegou para a segunda reunião que teria naquele dia, mas essa seria
bem mais breve.
Na sala estava Roxanne, bebendo chá
enquanto lia apenas mais um dos milhares de livros da biblioteca da cidade. Se
a mulher ainda não havia consumido todo o acervo literário ali existente, devia
estar bem perto de fazê-lo. A líder de ginásio reconheceu a menina logo que a
viu entrar no local.
— Você não é a menina que estava
com a Sapphire quando ela esteve aqui? Como é seu nome mesmo?
— Miriam.
— Hm, Miriam... Você é a pessoa de
quem a Anabel estava falando, não é?
— Sim, eu mesma. Eu não sei se ela
comentou com você, mas eu vim fazer um pedido.
Miriam retirou de sua mochila um
papel enrolado em uma fita, e o entregou para Roxanne. Quando a líder abriu,
reconheceu de imediato o documento.
— Este é o certificado que você
ganhou quando passou no meu exame de admissão.
— Isso mesmo — a garota respirou
fundo, tomando coragem para o que diria logo após. — E é fazendo uso dele como
pré-requisito oficial do seu ginásio que eu te desafio para uma batalha valendo
a sua insígnia!
FIM DO CAPÍTULO
Notas do Autor - Capítulo 32
Capítulo 32
O Patinho Feio do Day-Care
Art by: Urswurs |
O grupo
continuava sua travessia pela Rota 117 em direção a Verdanturf. Já estavam
praticamente na metade do caminho, em um dia onde Ruby havia feito bons
progressos com sua equipe para o contest que se aproximava, especialmente com
Clamperl, membro mais recente do time. O garoto estava confiante de que com as
técnicas do Pokémon molusco ele poderia criar combinações interessantes para
atrair a atenção dos jurados e conquistar sua segunda fita. Zinnia o
aconselhava sobre como interagir com seus companheiros de equipe, e Sapphire
era quem mais estava fazendo as coisas por conta própria, enfrentando alguns
treinadores e Pokémons selvagens para se manter afiada para quando chegassem a
Lavaridge.
— Você
precisa dar tempo ao tempo — a mais velha orientava o coordenador, que ainda
tinha certo receio com um de seus parceiros de equipe. — Tentar forçar uma
aproximação com o Treecko agora não vai ser positivo. O que você tem que fazer
é focar em treinar os seus outros Pokémons e ir interagindo aos poucos com ele.
— Mas eu
deixo o Treecko bem à vontade, e não fizemos quase nenhum progresso.
— Você o
rejeita, é bem diferente. Você tem medo de lidar com o temperamento ranzinza do
Treecko, e por isso o mantém afastado. Dê atenção a ele, sem forçar amizade.
Pergunte coisas simples, como se ele está bem, se precisa de alguma coisa, se
quer mais comida e se quer treinar com você e os outros. São pequenos gestos
que vão demonstrando de pouco em pouco que você quer que ele seja parte do
grupo. Com o tempo ele vai acabar cedendo. E é aí que você pode começar a
tentar criar mais intimidade.
— Eu e
Dante demoramos muito pra nos entender — Sapphire entrou na conversa. — Foi
depois que eu compreendi que estava tentando fazer tudo do meu jeito que nós
começamos a melhorar a relação entre nós dois. Seria bom você tentar entender
como seu Treecko se sente, e como ele quer fazer as coisas.
— Bom,
tudo que eu sei é que ele não gosta muito das apresentações artísticas. Ele
prefere batalhas mesmo. Tanto é que em Slateport ele foi muito bem, e parecia
bem à vontade no palco.
— Então
por que não coloca ele pra batalhar mais? Eu preciso praticar mais pra poder
enfrentar o Ginásio de Lavaridge. Vocês dois podiam ser nossos parceiros de
treino.
— É uma
boa ideia que a Sapphire deu agora — concordou a draconid. — Batalhar é uma boa
maneira de criar um vínculo com seus companheiros.
— Você é
bem mais experiente do que eu, a gente vai acabar sendo esmagado!
— Não
exagera Ruby. É só um treino — disse Zinnia. — E se for o caso eu te dou umas
orientações pra você poder se sair bem. Vamos procurar um lugar pra poder começar
o treino.
Achar o
melhor lugar era difícil. A Rota 117 era uma das estradas intermunicipais mais
bonitas de Hoenn. A estrada de terra era margeada por fileiras de árvores altas
e em alguns pontos o gramado era mais alto. Dois pequenos lagos, um de cada
lado da rota, fazia com que o caminho parecesse uma ponte construída pela
própria natureza, deixando o local mais fresco. Por isso não era incomum ver
algumas pessoas usando o local para correr e caminhar, servindo até como área
de treino para atletas.
Sapphire
encontrou uma clareira povoada por duas árvores frutíferas, mas para a decepção
do grupo o local já estava ocupado por duas meninas que também já faziam sua
pausa pro almoço. O que elas faziam ali trajando uniformes de escola era um
mistério que ficaria na cabeça dos três. Já o trecho final da rota indicava aos
viajantes que a cidade de Verdanturf se aproximava devido aos canteiros de
flores construídos perto da entrada da cidade.
Tão logo
o trio encontrou o local, Sapphire e Ruby começaram os preparativos para o
treinamento após uma breve pausa para respirar melhor. Zinnia já se colocava
entre os dois, projetando um campo de batalha improvisado e em seguida se
colocando do lado de fora na reta da linha que dividia a arena em duas.
— Bom,
vai ser aquele treino simples. Um contra um, as regras vocês já sabem — Zinnia
alongava os braços, se preparando para arbitrar a batalha.
Sapphire
lançou Dante ao campo de batalha. O Combusken saiu de sua Pokéball já alerta
para iniciar a sessão de treinos. Ruby, ainda hesitante, sacou a Pokéball onde
seu Treecko estava e o liberou do outro lado da arena improvisada.
O
pequeno lagarto olhou a sua volta, percebendo o cenário se desenhando para uma
batalha. Ele logo se animou para poder mostrar seu verdadeiro potencial mal
aproveitado, mas ficou estático ao ver a forma evoluída de um Pokémon do tipo
fogo bem na sua frente. Ele então olhou para trás e encarou Ruby, que ficou
incomodado.
— Você é
idiota por acaso? Tá querendo me matar, seu pivete de merda?
Ruby
percebeu que Treecko soltava alguns grunhidos baixos e indecifráveis, mas algo
dizia ao garoto que seu parceiro não estava satisfeito. Zinnia foi quem o
despertou de seus pensamentos.
— Não é
hora de ter dúvidas! Seu foco tem que ser em vencer a batalha!
— O que
foi Jeff? Não me diga que está nervoso por ter que me enfrentar! Pode ficar
tranquilo, é só um treino. Prometo que vou tentar não te machucar muito — Dan
parecia se divertir com o desconforto do lagarto.
— Cala a
sua boca! — o Treecko rebateu apontando pro seu desafeto. — Você pode ter
crescido um pouco, mas continua sendo um frango metido a besta!
Os dois
se encaravam de forma que conseguiam entender que estavam na mesma frequência.
Tanto Dan quanto Jeff estavam ansiosos por aquela sessão de treino onde um
poderia ir com tudo pra cima do outro. Apesar das provocações, cada um dos dois
nutria certo respeito pelo outro como os dois membros mais antigos daquele
grupo.
Já no
lado dos treinadores, Zinnia e Sapphire tentavam encorajar Ruby a batalhar sem
se colocar muito sob pressão. O garoto ainda tinha um pouco de medo de se
envolver naqueles combates, mas nas poucas vezes em que foi exigido ele havia
se saído bem. Para as meninas, ele devia investir em melhorar nesse ponto, até
porque outros contests focados em batalhas poderiam acontecer no futuro, ou até
mesmo havia o risco de aparecer novas situações que o obrigasse a se defender
como em Slateport.
— Não se
pressione muito, é só um treino — disse Zinnia. — A hora de errar e aprender é
agora.
— Tenta
ficar mais leve e sentir a maneira como a batalha flui. Você vai conseguir
enxergar melhor o que tá acontecendo e vai poder deduzir os próximos passos —
Sapphire completou. — Vamos, você começa. Já dê uma ordem pro Treecko pensando
nas possibilidades de contra-ataque que eu tenho, e em como você pode anular
cada uma.
— Isso é
impossível! A menos que eu leia a sua mente eu não tenho como saber o que você
vai estar pensando.
— Você
não precisa ler a mente de ninguém, Ruby — disse a draconid. — Ela está falando
sobre conhecer os pontos fortes do seu oponente. É como um jogo de xadrez.
Observe ela e o Dante em ação, veja de quais atributos eles podem tentar tirar
mais vantagem.
— Vai
logo, começa!
Ruby não
conseguia ficar calmo, mas sabia que não tinha saída. Ele parecia ser o único a
não se sentir confortável naquela situação. Até mesmo o Treecko estava gostando
da ideia de batalhar, então ele se sentia responsável por fazer aquele
sacrifício para tentar melhorar sua relação com o companheiro de equipe. Então
ele respirou fundo e decidiu enfim tomar a iniciativa.
— Vamos
Treecko, comece atacando com Pound!
—
Contra-ataque diretamente com Flame Charge!
Dante
pegou impulso do chão e disparou com o corpo envolto em chamas para atacar o
oponente de forma direta. Jeff, que já tinha se projetado na direção do
Combusken não podia mais desviar e foi atingido em cheio. Seu ataque, muito
mais fraco, foi anulado com facilidade pela diferença de força entre os dois.
— Desde
quando seu Combusken sabe essa técnica? Eu não vi vocês usando em momento
algum!
— Ele
aprendeu faz poucos dias, mas ainda estamos praticando pra ele pegar o jeito —
Sapphire sorria triunfante. — Vem pra cima, eu sei que vocês dois têm mais do
que apenas isso!
Ruby
observava seu Treecko se levantar com dificuldade. Já era incrível ver que seu
companheiro tomou todo aquele dano de um ataque contra o qual tem desvantagem e
ainda assim não foi derrotado de primeira.
O
lagarto aos poucos foi se recompondo, até que conseguiu se assegurar de que
conseguiria se manter de pé para batalhar por mais tempo.
—
Treecko, nós temos que reconhecer que estamos em desvantagem, em praticamente
todos os quesitos. O Dante é mais forte, mais rápido e tem a vantagem de tipo
nessa batalha.
Jeff olhou
para seu treinador com uma expressão contrariada. Não gostava de ser criticado,
mas logo que o garoto voltou a falar ele percebeu que não era bem aquilo que
ele imaginava que estava por vir.
— Você
estar nessa desvantagem é culpa minha, pois nunca treinamos pra isso. E da
mesma forma que você está em desvantagem contra o seu adversário eu estou em
desvantagem contra a Sapphire. Eu sempre tive meu pai como alguém a se espelhar
em quesito de batalhas, mas nunca parei pra realmente aprender algo sobre isso.
Sempre achei que teorias eram o suficiente, então li muito sobre estratégias e
métodos de treinamento achando que só isso bastava. Sapphire nunca estudou
nada, e apenas com a experiência prática ela já desenvolveu um autocontrole e
uma visão tática que eu nunca sonharia em ter fazendo as coisas do jeito que
faço.
O garoto
respirou fundo. Em seu subconsciente ele tentava ganhar tempo com aquelas
palavras enquanto tentava encontrar uma solução para aquele problema.
— Mas eu
não sou nenhuma dessas crianças que brincam de treinador no pátio da escola com
Rattatas e Pidgeys recém capturados. Eu tenho conhecimento, só preciso me
acostumar a colocá-los em prática. Não vamos deixar eles saírem cantando
vitória tão cedo. A gente tem muita coisa boa pra mostrar também!
Jeff
ainda não havia visto Ruby se portar daquela maneira. Mesmo conhecendo seus
limites e sabendo dos seus defeitos, o garoto também conseguia demonstrar
confiança naquilo que ele tinha como qualidade. Olhando de relance para seu
treinador, o lagarto fez um aceno discreto com a cabeça, mas que foi percebido
pelo menino. Era o sinal que Ruby precisava para saber que aquela batalha seria
diferente do que estava esperando.
— Parece
que vamos ver um bom trabalho em equipe entre vocês dois, finalmente — disse
Sapphire. A menina tinha um sorriso eufórico, sabendo que teria um bom desafio
pela frente. — Mas não espere que eu e o Dante vamos ficar comovidos com a nova
amizade entre vocês. Agora mesmo é que a gente sabe que não vai dar pra pegar
leve. Vocês vão ter que aguentar o tranco!
— Manda
tudo que vocês têm, caso contrário podem acabar tendo uma surpresa desagradável
— Ruby rebateu a provocação. — Treecko, inicie com o Quick Attack!
Jeff se
impulsionou do ponto onde estava para correr na direção de Dante, mas seu
movimento não era em linha reta, o que fazia com que o Combusken tivesse mais
dificuldade para tentar prever onde seria o ponto de onde sairia o ataque. A
movimentação irregular do lagarto, em movimentos em ziguezague, tinha como
objetivo confundir seu adversário.
Mas Dan
era bem mais experiente, e conseguia se manter calmo o bastante para agir
apenas ao detectar uma mudança no padrão de movimento do Treecko. Quando isso
ocorreu, através de um impulso extra quando ele já estava quase no alcance de
seu alvo. Com um comando de Sapphire, o Combusken se esquivou com um salto por
cima do oponente, deixando-o passar em linha reta e pousando em seu ponto cego.
— Agora,
Ember!
Sem ter
como reagir a tempo de se desviar Jeff foi atingido pela rajada de brasas,
recebendo um dano considerável.
—
Previsível demais — disse Dan com um sorriso debochado.
Jeff se
segurou para não cair na provocação do rival. Respirou fundo para amenizar o
dano das brasas, se virou para Dan e o olhou fixamente enquanto aguardava a
ordem de Ruby.
— Pound!
— Não
deixa ele tomar a iniciativa! Sand-Attack! — Sapphire gritou.
— Ele
vai tentar cegar você! — alertou Ruby. — Cancele o ataque e desvie!
A
tentativa de esquivar o ataque foi bem sucedida, mas a experiência de Sapphire
e Dante era bem maior, o que os possibilitou prever a troca dos adversários
para a defensiva. Sem que Jeff pudesse se recompor do pouso após saltar para
desviar da areia, o Combusken aumentou a pressão sobre ele e o levou ao chão
com um golpe forte.
Jeff
sentia o ar faltar já que Dan pisava forte em seu peito para mantê-lo
imobilizado. A batalha parecia estar resolvida.
Mas antes
que Dante pudesse finalizar seu oponente, o grupo foi interrompido por uma moça
que os abordou com uma expressão angustiada. Ela estava ofegante, sinal de que
havia chegado até eles depois de correr bastante. Entre uma arfada e outra, ela
balbuciava o que parecia ser um pedido de ajuda.
— Por
favor... Preciso que venham... Depressa! — disse, ainda tentando repor o
oxigênio enquanto se apoiava com as mãos nos joelhos.
Ruby e
Zinnia trocaram olhares confusos, mas diferente deles Sapphire tomou a frente
para acudir a mulher.
— O que
aconteceu? — indagou a menina numa tentativa de forçar urgência para que a
pessoa lhes explicasse o que estava acontecendo sem muitos rodeios.
— Um dos
Pokémons que eu cuido subiu em uma árvore e agora não consegue descer. Eu
também não consigo subir lá porque meus joelhos não são muito bons. Algum de
vocês conseguiria ir até lá buscá-la?
— Como é
o temperamento desse Pokémon? — Zinnia questionou. — Se ele for agressivo vai
ser mais complicado de estranhos como nós nos aproximarmos.
— Não se
preocupem com isso. Ela é amigável, apenas um pouco hiperativa. Não vai
machucar nenhum de vocês.
A mulher
guiou o trio até o local onde seria feito o resgate. Era uma árvore bem alta, e
em um dos galhos estava uma Skitty. De início todos estranharam que apenas a
moça estava preocupada, pois a criaturinha felina tinha uma expressão
descontraída em seu rosto, como se estivesse bem à vontade ali em cima.
— E aí?
Quem vai? — Zinnia perguntou, já dando um tom de que não seria ela.
— Não
olha pra mim, se vocês não vão subir aí eu muito menos — Ruby também recusou
prontamente.
— Isso
aí pra mim vai ser moleza — Sapphire tomou a frente com um ar triunfante. — Se
afastem!
A garota
dobrou os joelhos e apoiou os braços no chão, se posicionando como se fosse
competir em uma corrida de atletismo. Ruby, Zinnia e a moça mal tiveram tempo
de reagir quando a menina disparou na direção da árvore e com dois passos
largos pegou impulso de subida no tronco da árvore apenas com os pés. Em um
breve instante ela já estava lá em cima.
— Como
você fez isso? — Ruby perguntou surpreso.
—
Segredo — disse Sapphire com um tom debochado e já se virando para a Skitty. —
Ei, para de preocupar sua dona e vamos descer, tá bem?
A garota
agarrou a felina e desceu do galho, conseguindo amortecer a queda como se
tivesse pulado apenas um pequeno degrau. Entregou a criatura no colo da moça,
que a agradeceu aliviada.
—
Salvando uma Skitty de cima da árvore... Parece até aqueles bombeiros da
televisão — comentou Zinnia.
— Bem,
eu tenho lá meu talento pra essas coisas — Sapphire ria cruzando os braços
atrás da cabeça, demonstrando estar bastante relaxada.
— Eu nem
sei como agradecer vocês — disse a moça enquanto se aproximava com Skitty em
seu colo. — Falando nisso, deixa eu me apresentar. Meu nome é Lydia. Eu ajudo
meu irmão a administrar uma Creche Pokémon logo ali no começo da estrada pra
quem sai de Mauville. Se vocês estiverem vindo de lá devem ter notado um
pequeno rancho na beira da estrada.
— Ah,
então era isso aquele casarão de campo que eu vi — disse Ruby, parecendo
reconhecer o local.
— Creche
Pokémon? Como assim? O que é isso? — Sapphire não fazia a mínima ideia do que
Lydia estava falando, até que o próprio Ruby esclareceu a dúvida.
— Uma
Creche Pokémon é um local onde treinadores podem deixar seus Pokémons
temporariamente. São muito usadas quando não podemos levar algum Pokémon com a
gente para algum lugar específico ou quando queremos acasalar dois Pokémons
para poder ter um filhote. A diferença desses lugares para o sistema de
armazenamento é que no sistema eles continuam sendo mantidos nas Pokéballs,
sendo trazidos para fora apenas para se alimentarem, enquanto nas creches eles
possuem uma rotina de treinos básicos para que os Pokémons se mantenham em
atividade durante o período em que os treinadores estão ausentes. Claro que o
desenvolvimento é um pouco mais lento do que se estivessem treinando
diretamente com seus treinadores, mas dependendo da situação pode compensar
bastante.
—
Exatamente, garotinho! — disse Lydia dando um estalo com os dedos. — Você
conhece bastante sobre as creches!
— Quando
eu morava em Johto uma vez a minha turma de escola fez uma excursão onde
conhecemos uma creche perto de Goldenrod. É uma das mais famosas de lá.
— Ah,
claro! Eu sei qual é. A creche que tem em Goldenrod é uma das mais conhecidas
no ramo, e ela tem um padrão de qualidade que é referência. Mas eu garanto que
a nossa é tão boa quanto! Se não estiverem fazendo nada podem vir conhecer as
nossas instalações. E acabei de ter uma ideia! Como agradecimento por terem me
ajudado a recuperar a Skitty, considerem-se convidados para almoçar com a
gente!
Tendo
passado a manhã inteira sem comer desde o café da manhã, era difícil para o
grupo recusar um convite como aquele. Não só teriam uma refeição de graça como
também conseguiriam guardar alguns mantimentos por mais tempo, o que ajudaria
nas economias.
Lydia os
guiou até as instalações da creche. Como Ruby havia notado, era um rancho com
território vasto, com os campos e pastos sumindo no horizonte — Lydia dizia que
o território ia até o pé da montanha. Ao entrarem na casa eles logo foram
recebidos por um rapaz que se parecia muito com a moça. Os mesmos cabelos
azulados e os traços os fizeram logo perceber que ambos eram gêmeos.
— Este é
meu irmão Isaac. Eu faço os trabalhos mais voltados para cuidar dos Pokémons.
Ele sempre foi o mais inteligente lá em casa, então é quem cuida da parte
administrativa.
— Apesar
de que hoje estou trabalhando na criação também, porque é domingo e os outros
funcionários estão de folga — disse o rapaz, em seguida dando um aceno para os
convidados. — Prazer.
A mesa
era simples, mas tinha comida o bastante para os cinco se servirem à vontade.
Os Pokémons também comiam uma ração especial feita pela creche, e pareciam
estar gostando muito. Entre os treinadores e os gêmeos, a refeição era
acompanhada de uma conversa mais descontraída.
— Três
insígnias é realmente impressionante — disse Isaac enquanto via Sapphire exibir
suas conquistas. — Quando eu tentei sair em jornada só consegui uma. Eu nunca
tive muito jeito pra treinar meus Pokémons, sendo bem sincero.
— E você
conseguia batalhar muito bem — disse Lydia. — Treinar um time deve ser
realmente difícil.
Sapphire
ficava um pouco sem graça ouvindo aquilo. Para ela chegar àquele nível foi algo
tão natural, e ela sentia que havia tanto caminho a percorrer, que nem ao menos
tinha noção do quanto já tinha progredido. Ser um treinador de alto nível não
era mesmo algo que qualquer pessoa poderia alcançar. Isso a fazia se perguntar
em seu interior até onde conseguiria ir, ou se pelo menos chegaria a disputar a
Liga.
Zinnia
por outro lado sorria de forma discreta ao ver a reação de Sapphire. A draconid
parecia saber as dúvidas que rondavam a cabeça da menina naquele momento, e
sabia que grande parte da evolução dela se dava pelo fato de que ela aprendeu a
reconhecer seus próprios limites.
Isaac
permaneceu reflexivo por um breve momento, até que um estalo se fez em sua
mente. Quando foi desperto de seus próprios pensamentos, o rapaz se virou para
a irmã.
— Ei
Lydia, uma treinadora como a Sapphire que já tem três insígnias pode ser capaz
de dar um jeito nele.
— Nele... — a moça tentava se lembrar de
quem o irmão estava falando, mas não demorou muito para conseguir. — Ah! Você
quer dizer o...
— Isso
mesmo! Acho que a experiência dela vai ser o suficiente pra resolver esse
problema.
—
Desculpa interromper vocês dois, mas quem é ele?
— Sapphire se via confusa.
Os
gêmeos se viraram para ela sorrindo com confiança, o que assustou ainda mais a
garota. Parecia que outra tarefa cairia no colo dela, e pela forma como eles
falavam seria algo mais complicado dessa vez.
— Bom,
aqui e em outras creches acontece algumas vezes de treinadores deixarem os
Pokémons deles aqui e não voltarem para buscar — explicou Isaac. — Muitas vezes
o treinador não quer mais manter o Pokémon, mas tem medo de largá-lo na
natureza por achar que eles não estando mais habituados à vida selvagem não vão
conseguir se virar sozinhos.
— Alguns
pensam que isso não é ilegal, mas ainda é considerado abandono. E prejudica
nossos serviços, já que teremos que prover uma maior quantidade de suprimentos
pra manter aquele Pokémon vivo, abrigado e saudável do que o que foi planejado
previamente — Lydia complementou, sem esconder um tom de frustração na voz.
— Na
maioria das vezes conseguimos reencaminhar esses Pokémons para outros
treinadores que passam por aqui, mas agora estamos com um carinha mais
complicado — Isaac então notou um tom de relutância nos visitantes. — Não se
preocupem, quando digo que ele é complicado não significa que é bravo ou algo
do tipo. Ele apenas... Está em uma “frequência diferente”...
— A
maioria dos treinadores que tentou adotá-lo desistiu logo de cara. Mas você
parece ser muito habilidosa, Sapphire. Por que não faz uma tentativa com ele?
Sapphire
a princípio ficou em dúvida. Não tinha como saber se conseguiria se dar bem com
um Pokémon que não conhecia. Era bem diferente de quando fazia contato com um
Pokémon selvagem, onde logo de cara ela conseguia definir o perfil dele e
decidir se queria capturá-lo ou não. Agora o que estaria a aguardando era uma
completa incógnita.
A menina
voltou seu olhar para Ruby, procurando algum tipo de resposta, mas viu que o
amigo estava tão confuso quanto ela. Virou para o outro lado onde estava
Zinnia, esta parecendo mais tranquila.
— Todo
Pokémon tem seu valor — disse a mais velha, escorada na cadeira. — Tentar não
dói. De repente a gente descobre o que há com ele.
Após
terminar o almoço todos se dirigiram até a área externa onde os Pokémons
deixados sob os cuidados da creche ficavam. Mesmo para os menos detalhistas era
possível perceber que a estrutura do local era boa, com bastante espaço para
que as criaturas ficassem à vontade mesmo quando estivesse cheio, os
recipientes de comida e água eram bem limpos, e o território era dividido para
que eles pudessem ter o maior número possível de áreas simulando diferentes
habitats, permitindo que a creche pudesse receber vários tipos de clientes.
O grupo
foi guiado até uma área cortada por um córrego raso. Era possível ver alguns
Pokémons comuns de se ver naquele tipo de habitat, como Lotads e Surskits, mas
quem chamava mais atenção era um pequeno pato de penugem amarelada sentado em
cima de uma pedra. Ele tinha um olhar fixado para uma direção específica, mas
quem quer que tentasse olhar para o mesmo local acabaria não vendo nada.
— Esse
aí é o famoso — disse Lydia.
— Um
Psyduck? Não sabia que tinha essa espécie aqui em Hoenn — Ruby questionou.
— Na
verdade eles não são nativos daqui mesmo, mas há uns anos abriram um Safari
perto de Lilycove, e aproveitaram para colocar lá algumas espécies de outras
regiões como um atrativo pra atrair treinadores pra lá — Isaac explicava. —
Psyduck é uma dessas espécies, mas esse aí provavelmente já é nascido aqui em
Hoenn, então dá pra considerá-lo como um conterrâneo nosso.
— Ele
parece meio... Lerdo — Sapphire não sabia exatamente o que fazer com aquele
Pokémon.
— Bom,
você não gostaria de tentar treiná-lo? Talvez ele tenha um potencial que a
gente não é capaz de enxergar. Pode ser que conviver com um treinador que sabe
como desenvolver as habilidades dele seja positivo.
— Bom,
pelo que a gente ficou sabendo o ginásio de Lavaridge é especializado em
Pokémons de fogo — disse Ruby. — Pode ser uma boa ideia você ficar com o
Psyduck.
— É
verdade, mas será que vai dar tempo de treinar ele até lá? — Sapphire ainda se
questionava. — Eu sei que ainda temos muito tempo até chegar lá, que tem a
passagem por Verdanturf e tudo mais, mas o problema é que ele parece ter um
ritmo mais lento.
— Se não
der pra prepará-lo pro ginásio de Lavaridge, paciência — disse Zinnia. —
Continua o treinamento tendo o ginásio seguinte como foco.
— E
então? Topa? — Lydia já estava com a Pokéball pertencente ao Psyduck em suas
mãos, pronta para entregá-la a Sapphire.
Ainda
relutante, a treinadora concordou com a proposta. Um membro novo no time era
sempre bem-vindo, e se conseguisse treiná-lo bem poderia se beneficiar de uma
equipe mais forte e versátil. Mas acima de tudo sentia que não podia deixar
aquele Psyduck ali, onde continuaria sendo um Pokémon abandonado. Ao menos com a
garota ele poderia começar a sentir que alguém o desejava.
Ou era
essa a ideia que vagava na mente da menina. O pequeno Psyduck permanecia alheio
a tudo em seu entorno. Sapphire respirou fundo e o trouxe para dentro da
Pokéball. Ela sabia que teria muito trabalho pela frente.
FIM DO CAPÍTULO